terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quem diria, até que enfim...

A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a espiritualidade nos aspectos que devem ser levados em conta na avaliação da qualidade de vida para pessoas de todas as idades

Déa Januzzi
“Meu avô torto, médico, pesquisador competente, de especial sensibilidade musical, no dia em que completou 84 anos – já deprimido pela morte da esposa, disse-me, ao cumprimentá-lo: “Espero que você não chegue aos 80!”. Isso tem 25 anos. Nunca me esqueci. Ele sentiu o peso do preconceito e da solidão. Vivamente me lembro de suas palavras a cada comentário maldoso em relação aos velhos que escuto, principalmente aos muito velhos. O peso do preconceito é grande. E quem tem menos de 80 anos tem a responsabilidade de tentar ao menos rever seus valores com relação à velhice. Só assim, acredito, poderemos colaborar para a mudança de paradigmas sociais, históricos e culturais.
Ainda na família, muitos anos depois do fato relatado acima, minha mãe desenvolveu a doença de Alzheimer e morreu há dois, aos 79, depois de 10 anos de muito sofrimento. Acredito ser dispensável falar do meu interesse em compreender a velhice e tentar não somente estudá-la e pesquisá-la, mas, principalmente, percebê-la e senti-la. Foi o que tentei fazer por minha mãe inúmeras vezes, quando ela não mais podia: sentia frio por ela, calor, fome e tudo o mais possível por ela. Penso que apenas quando nos abrimos para a percepção e para o sentimento do outro é que podemos começar a elaborar alguma ação transformadora para colaborar em seu benefício.
A velhice, até muito pouco tempo, era tida como algo humilhante e vergonhoso, um tabu que se tentava não falar, nem comentar. A escritora Simone de Beauvoir comenta em seu livro A velhice, escrito em 1970, que quando dizia que estava desenvolvendo um ensaio sobre a velhice quase sempre as pessoas exclamavam: ‘Que ideia! Mas você não é velha!. Que tema triste…’” Ela diz em seguida: “Aí está justamente por que escrevo: para quebrar a conspiração do silêncio”.
Esse é o texto de introdução da dissertação de mestrado em ciências da religião da PUC Minas de Anna Cristina Pegoraro de Freitas, de 54 anos, sobre Espiritualidade e sentido de vida na velhice tardia . Em quase 200 páginas, ela mostra o sentido de espiritualidade adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material que pressupõem que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo o indivíduo a questões como o significado e o sentido da vida, não necessariamente a partir de uma crença ou prática religiosa. Reconhecendo sua importânica para a qualidade de vida, a OMS incluiu a espiritualidade no âmbito dos domínios que devem ser levados em conta na avaliação e promoção de saúde em todas as idades”, diz.