quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Pseudo Democracia

O país que se orgulha de estar entre as dez maiores economias do mundo, é uma das raras democracias em que os meios de comunicação agem sem limites, atuando apenas segundo os interesses de quem os controla. As vozes dissonantes ainda são sufocadas. Dessa forma, a democracia deixa de funcionar plenamente por não contar com um de seus principais instrumentos: a ampla circulação de ideias. Para enfrentar o problema é necessária uma regulação da mídia, capaz de ampliar o número de pessoas que têm o privilégio de falar com a sociedade.

De forma alguma trata-se de impor qualquer tipo de censura aos meios de comunicação como seus controladores insistem em dizer. Ao contrário, a regulação tem como objetivo romper com a censura que eles praticam quando escondem ou deturpam fatos como lhes interessam. O uso da palavra censura, pelos que se opõem à regulação, interdita o debate em torno do tema. Trata-se de uma palavra de fácil compreensão que carrega uma carga negativa muito grande, contrapondo-se a argumentos mais complexos, mas necessários ao entendimento do que é regulação da mídia.

Estamos hoje numa sociedade capitalista onde impera a livre concorrência comercial e o direito à liberdade de expressão e opinião. As empresas concorrem entre si em busca de consumidores, cabendo ao Estado impedir apenas que controlem artificialmente o mercado tornando-se monopolistas ou oligopolistas. Quando isso ocorre, elas ganham um poder capaz de impor preços aos seus produtos, acabando com a livre concorrência e prejudicando os consumidores.

Essa regra vale para os supermercados e deveria valer também para as empresas de comunicação. Nesse caso, por trabalharem com a oferta de ideias e valores, o monopólio ou o oligopólio já são proibidos pela Constituição com o objetivo de garantir a liberdade de expressão de toda a sociedade e não apenas daqueles que controlam os meios.

Na prática, no entanto, o que vemos é o Estado evitando o monopólio na produção e venda de pastas de dentes ou de chocolates, por exemplo, mas permitindo que ele exista no setor de jornais, revistas, emissoras de rádio, de TV e internet. A regulação econômica da mídia é a forma de impedir a existência de monopólios também na área da comunicação.

No entanto, a regulação pode e deve ir além dos limites econômicos. Deve haver regras para garantir o equilíbrio informativo, o respeito à privacidade e à honra das pessoas. É importante que sejam assegurados espaços no rádio e na TV aos movimentos sociais, à promoção da cultura nacional, à regionalização da produção artística e cultural. E que seja garantida a proteção de crianças e adolescentes diante de programas e programações inadequadas à sua formação e agressivas  à sua dignidade.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Liberdade de expressão ou liberdade de opressão?

Era uma vez uma época que você ia na biblioteca, pegava uma Barsa e fazia seu trabalho escolar sobre a Primeira Guerra Mundial. Nesta mesma época, você mandava cartas para a sua tia pelo correio e telefonava para seus amigos combinar o futebol no clube sexta-feira à tarde. Hoje, se você digitar no Google “Primeira Guerra Mundial”, ele retorna pra você aproximadamente 3.590.000 resultados, sua tia tem e-mail e te manda gifs animados piscantes irritantes e seus amigos fizeram um evento no facebook para combinarem de jogar Winning Eleven pela Live do Xbox 360.

Nesta época em que as comunicações se dão de maneira rápida, e você pode acessar quase qualquer assunto com uma pesquisa rápida na internet, as pessoas conseguem expressar suas opiniões para um público cada vez mais abrangente. Websites, Blogs, Facebook, Twitter, dentre outras tantas ferramentas, levam o que você pensa de algum assunto aos olhos de pessoas que vão desde família e melhores amigos até apenas conhecidos (ou mesmo desconhecidos).
Considero este um fenômeno espetacular. Duvido que eu tivesse uma visão crítica sobre o acontecimento em Pinheirinho, ou meramente soubesse do movimento “Occupy” se não fosse por tais estratégias (afinal, uma visão crítica de ambos não é algo que o Jornal Nacional ou a Veja expressariam, não é?). Entretanto, continuarei o texto de uma maneira controversa e que provavelmente desagradará muitas pessoas. Se eu pudesse pedir algo, seria um pouco de senso crítico sobre as nossas atitudes, e não uma crítica impensada ao texto. Enfim, retornando ao meu ponto principal: ao que parece, as pessoas estão confundindo liberdade de expressão com liberdade de opressão.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Como você usa a sua liberdade?

A questão não é o que você gosta, o que você acredita, o que você defende. É como você usa a presença de uma tela e um teclado para fazer isso de maneira ofensiva. Dificilmente num debate frente à frente as pessoas usam argumentos que visam ofender ou ridicularizar uma à outra. Não importa se são amigos ou conhecidos, em uma discussão você geralmente é polido, educado e apresenta uma cadência de explicações para seu ponto de vista. Na internet reconheço comumente a apresentação da tal cadência de explicações, entretanto, quando há uma opinião divergente, a recorrência ao “eu faço/falo/escrevo o que eu quiser, e se você não gosta o problema é seu” é surpreendentemente corriqueira, em geral substituindo a polidez e educação.
Eu absolutamente discordo com a censura nos meios de comunicação. E apoio totalmente a liberdade de se expressar quaisquer pontos de vista. Creio que todos que queiram devam ter um fórum de discussão para seus assuntos de interesse, e que ninguém deva ser impedido de falar que deveriam ser permitidos equipamentos com auto-falante nos transportes públicos, por mais que eu ache um absurdo ter que ouvir technobrega quando pego um ônibus. Entretanto, as comunicações virtuais não deveriam perder o caráter respeitoso que as comunicações pessoais se prezam tanto a ter. Frente à frente com uma pessoa você falaria algo como “eu falo o que quiser e ,se não quiser ouvir, deixe de ser meu amigo”? Ou “acho ridículo você ter uma opinião diferente da minha sobre este assunto”?

Não só para o caso dos blogs de divulgação, como o Thiago disse muito bem no seu texto, mas creio que toda a informação divulgada sofre o processo de auto-validação. Seja esta por meio de referências ao seu artigo, acessos num post, “curtidas” no facebook ou tapinhas nas costas, as pessoas buscam um reconhecimento (e principalmente, concordância) do seu ponto de vista. No entanto, para obter a validação requerida, o ponto de vista gerado deve atingir o maior número de pessoas possível, e de preferência, pessoas com pontos de vista divergentes do seu. Certo?

Tem certeza que você concorda?

Vai, te dou mais dez segundos para você refletir se realmente concorda comigo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Debates ou concordância: o que você procura?

Um texto espetacular do David McRaney mostra que você pode dizer que gosta de ouvir pessoas com pontos de vista diferentes do seu mas, na verdade, você só procura a aceitação dos seus argumentos, nunca a refutação ou contra-argumentação. E pior de tudo: quando suas crenças mais profundas são desafiadas, você as defende mais ferrenhamente e ouve menos seu debatedor. É o que o autor chama de “backfire effect”: assim como você constrói um escudo a partir de toda a informação que confirme suas idéias, você também acaba ficando cego a contra-argumentos. O “backfire effect” te faz menos cético às coisas que te permitem continuar a ter sua atual visão de mundo como boa, ética, verdadeira. (aliás, já disse que esse texto é espetacular? Já, não é? Pois digo novamente. Clique no hiperlink e vá lê-lo depois).

Com tudo que expus acima, fica fácil de entender o comportamento das pessoas em geral na internet. Há um tópico de discussão genérico em algum lugar da internet. Suponhamos que é sobre o ensino ou não da “teoria da evolução de Darwin pela seleção natural” nas aulas de biologia. A pessoa que postou é contra o ensino, porque acha que a teoria da evolução é balela. Você vai lá e argumenta como é uma teoria unificadora na Biologia, central para o entendimento da distribuição e adaptações dos organismos e etc. Em 90% dos casos, o que acontece? A pessoa reconhece que estava errada, que você tinha razão, e resolve fazer Biologia para entender mais sobre este conceito tão fundamental? Provavelmente não. Provavelmente ela vai criticar suas fontes, ridicularizar sua formação e, por fim, usar o tipo mais comum de argumento nesse tipo de situação: o argumento ad hominem.

O argumento ad hominem é uma falácia ocorrida quando alguém ataca o autor de uma proposição, ao invés do seu conteúdo. É um argumento sem base lógica, apelativo, no qual quem o usa pretende ridicularizar o autor a ponto de descreditá-lo. É na discussão acima citada usar um “você acha que é necessário ensinar esta teoria da evolução porque você é biólogo, e na sua faculdade eles ficam contando essas historinhas absurdas de como os seres vivos surgiram”

(E eu sei, meu exemplo foi meio absurdo, mas conheço várias pessoas que acham que a teoria darwiniana não deva ser ensinada, ou não deva ser a “única”. Acreditem se quiserem.)

Como numa receita de bolo, podemos pegar nossa tendência a refutar argumentos que vão contra nossa visão habitual de mundo, acrescentar uma dose do tão recorrente argumento ad hominem e, por fim, cobrir com a possibilidade de não ter que encarar seu interlocutor frente à frente, não precisando lidar com a inconveniência de um olhar ofendido ou desapontado. O que temos (sem precisar de muito tempo no “forno”) é a maioria das discussões por meios virtuais.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Gentileza gera gentileza

Nas conversas pessoais, geralmente observo cautela para não se insultar o ouvinte. Você pode ser ateu, mas dificilmente ridicularizará sua avó acreditar em deus por ela rezar antes das refeições. Você pode ser esquerdista, mas dificilmente falará para alguém que você conhece superficialmente que as políticas dos partidos de direita são elitistas e só um idiota não perceberia. Você pode concordar com a ocupação da PM na USP, mas dificilmente chamará de “maconheiro sem-vergonha” o seu colega de sala que discorda da sua opinião. Você pode se preocupar com o excesso de lixo produzido pelo ser humano, mas dificilmente parará a pessoa no caixa ao seu lado no supermercado e aplicará um sermão hostil sobre quantas sacolinhas plásticas ela está levando para casa. Você pode não concordar com o uso de pele de animais na confecção de roupas, devido ao sofrimento que eles podem sofrer no processo da obtenção da matéria prima, mas dificilmente discursará para cada pessoa com uma bota de couro que vê na rua sobre como o couro é produzido.

(Para esclarecer, os exemplos acima são hipotéticos e podem não expressar minha opinião direta sobre quaisquer dos temas).

Entretanto, vejo atitudes diferentes quando o meio de comunicação ou expressão pessoal é a internet. Cada vez mais vejo imagens ofensivas, textos rasos e extremistas, xingamentos generalizados a quem toma certo partido em determinado tema, dentre outros. Todos têm em comum o escudo do “eu posso me expressar como eu quiser” como se isso os isentasse de quaisquer mágoas que pudessem gerar. Não isenta. É tão importante gritar sua opinião de maneira ofensiva quando você pode ser gentil? Ainda mais se levarmos em consideração que a gentileza geralmente deixa as pessoas mais propensas a ouvir o que você tem a dizer e mesmo propagar sua ação?

domingo, 12 de abril de 2015

Mais amor, por favor?

Há diversos textos sobre como as pessoas se distanciam dos relacionamentos pessoais utilizando um local físico por poderem ter um local virtual para tais relacionamentos, no conforto do seu pijama, em casa, sem se apertar numa roupa desconfortável para ficar mais apresentável. Mas creio que outro problema que está surgindo neste distanciamento físico é o concomitante aparecimento de um distanciamento emocional, propiciado pela ausência das conversas em tempo real, usando como máscara um teclado com o qual você pode escrever o que quiser, sem se preocupar em ter que lidar com o olhar da contraparte, avaliando e respondendo de pronto o que você diz. Se decepcionando e magoando. Se enfurecendo e ofendendo. Refletindo e questionando. O monitor à sua frente pode diluir a preocupação em ser gentil, em se fazer entender, em se preocupar se a pessoa vai levar em consideração o que você diz. O computador pode tornar sua liberdade de expressão em liberdade de opressão, de ofensão, de insultação. E você é livre para oprimir, ofender e insultar. A questão é: você deve fazê-lo apenas porque pode? E do que sua opressão vai adiantar, além de levar seu ponto de vista a pessoas que já concordam contigo, ao invés de levar um público diferente a refletir suas atitudes?

domingo, 8 de março de 2015

Liberdade sem oprimir

O papa Francisco, ao falar sobre os ataques letais de militantes islâmicos em Paris na semana passada, defendeu a liberdade de expressão, mas disse ser errado provocar os outros insultando sua religião e que se pode “esperar” uma reação a esse tipo de abuso.

“Você não pode provocar, você não pode insultar a fé dos outros, você não pode zombar da fé”, disse ele a jornalistas nesta quinta-feira, a bordo de um avião que o levava do Sri Lanka para as Filipinas, no início da segunda etapa de sua turnê asiática.

O papa, que condenou os ataques em Paris, foi questionado sobre a relação entre liberdade de religião e liberdade de expressão.

“Eu acho que a liberdade religiosa e liberdade de expressão são ambos direitos humanos fundamentais”, disse ele, acrescentando que estava falando especificamente sobre os assassinatos de Paris.

“Todo mundo tem não só a liberdade e o direito, mas a obrigação de dizer o que pensa para o bem comum … nós temos o direito de ter essa liberdade abertamente, sem ofender”, disse.

Para ilustrar seu ponto de vista, ele se virou para um assessor e disse: “É verdade que você não deve reagir violentamente, mas apesar de sermos bons amigos, se ele diz um palavrão contra minha mãe, ele pode esperar um soco, é normal”, disse.

“Você não pode fazer das religiões dos outros um brinquedo”, acrescentou. “Essas pessoas provocam e, em seguida, (algo pode acontecer). Liberdade de expressão tem limites.”

Dezessete pessoas, incluindo jornalistas e policiais, foram mortas em três dias de violência iniciada com um ataque a tiros ao semanário humorístico Charlie Hebdo, conhecido por seus ataques satíricos ao islamismo e outras religiões.

Referindo-se a guerras religiosas do passado, como as Cruzadas, sancionadas pela Igreja Católica contra o Islã, o papa disse: “Vamos considerar nossa própria história. Quantas guerras de religião tivemos? Mesmo que fôssemos pecadores, mas você não pode matar em nome de Deus. Isso é uma aberração.”

Perguntaram também ao papa se ele se sentia vulnerável a uma tentativa de assassinato ou a um ataque de extremistas islâmicos.

No início desta semana, o Vaticano negou reportagens de jornais italianos dizendo que os Estados Unidos e as autoridades de inteligência israelenses informaram o Vaticano de que poderia haver um ataque iminente de militantes islâmicos contra o papa.

Francisco disse que estava mais preocupado com que outros – em vez de si mesmo – sejam feridos em um eventual ataque e que se sente confiante quanto às medidas de segurança no Vaticano e durante suas viagens.

“Estou nas mãos de Deus”, disse, brincando sobre ter pedido a Deus para poupá-lo de uma morte dolorosa.

“Estou com medo? Você sabe que eu tenho um defeito, uma boa dose de descuido. Se alguma coisa acontecer comigo, eu disse ao Senhor, peço apenas que me dê a graça de não sentir dor, porque eu não sou corajoso quando confrontado com a dor. Eu sou muito medroso”, disse